Editorial
O abandono do Brás/Pari: entre o crescimento comercial e o caos urbano
Por Mário Marcovicchio
Advogado / Jornalista / Diretor do Sindicato de Tecidos e Armarinhos do Estado de SP
Ex-Presidente do Conseg 25 de Março e Sé
Até o início dos anos 2000, o Brás era conhecido como um tradicional bairro operário e comercial de São Paulo. Suas ruas abrigavam confecções familiares, armazéns de atacado e pequenos comerciantes locais. O movimento intenso já fazia parte da rotina, mas havia certo grau de organização e identidade. A região era ocupada majoritariamente por brasileiros, muitos descendentes de imigrantes europeus, e mantinha laços comunitários fortes. O comércio era voltado ao atacado têxtil, movimentado, mas ainda controlado, com presença mais visível do poder público e menor influência da informalidade ou do crime organizado.
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Mas o que se viu nas duas últimas décadas foi uma transformação drástica e acelerada.
É no silêncio do poder público que o crime organizado encontra espaço para crescer. No coração de São Paulo, os bairros do Brás e do Pari, outrora símbolos do comércio popular paulistano, vivem hoje um paradoxo inquietante: de um lado, a impressionante expansão econômica, alimentada por uma diversidade cultural que transforma a região em um verdadeiro polo comercial internacional; de outro, a total ausência do Estado, que permite a degradação urbana, a insegurança e o domínio informal de milícias e grupos criminosos.
Quem caminha diariamente pelas ruas do Brás e do Pari enxerga o retrato do abandono. Calçadas tomadas por lixo, ruas congestionadas por motoristas que ignoram as leis de trânsito, brigas constantes e um ambiente que beira o inabitável. As vias, estreitas e mal planejadas, são constantemente obstruídas por carros estacionados irregularmente — mesmo diante de placas de proibição. A cena cotidiana é de poluição, estresse e desorganização.
De madrugada, o cenário se transforma em algo ainda mais grave. Ambulantes ocupam ruas e calçadas de forma desordenada, muitos deles subordinados a estruturas paralelas de poder que, segundo relatos, envolvem atuação de milicianos. A informalidade, ali, deixou de ser apenas sobrevivência econômica para se tornar ferramenta de controle territorial.
Apesar desse caos, é impossível ignorar a potência econômica da região. Nas últimas décadas, o Brás/Pari passou por uma transformação demográfica e comercial intensa, marcada pela chegada em massa de imigrantes chineses, bolivianos, peruanos, africanos, paquistaneses, indianos e tantos outros povos que encontraram ali uma oportunidade de prosperar. Essa diversidade cultural criou um caldeirão econômico que movimenta milhões todos os meses e atrai consumidores de todas as regiões do Brasil e do exterior.
No entanto, essa expansão não foi acompanhada de investimentos em infraestrutura. Se por um lado o Brás/Pari se tornou um paraíso das compras, por outro, virou um exemplo cruel do que acontece quando o crescimento econômico é ignorado pelo planejamento urbano e pela gestão pública. A ausência do Estado não apenas sufoca a qualidade de vida dos moradores e trabalhadores da região, mas também entrega espaço precioso ao domínio do crime organizado.
É hora de agir.
As autoridades municipais e estaduais não podem mais fechar os olhos para o que está acontecendo no Brás e no Pari. A negligência virou conivência. É necessário um plano de reestruturação emergencial, que envolva diferentes esferas do poder público e que respeite a diversidade econômica e social da região.
Plano de reestruturação para o Brás/Pari:
- Infraestrutura urbana:
- Reforma e alargamento de vias, priorizando corredores de trânsito fluido e acessível para pedestres.
- Melhoria da sinalização e fiscalização viária, com implantação de câmeras e fiscalização eletrônica.
- Requalificação das calçadas com acessibilidade universal, iluminação e paisagismo.
- Mobilidade e trânsito:
- Implantação de zonas de carga e descarga regulamentadas.
- Proibição e fiscalização rigorosa de estacionamento em locais não autorizados.
- Ampliação de linhas de transporte público, com faixas exclusivas de ônibus e reforço no Metrô e CPTM.
- Segurança pública:
- Aumento do efetivo policial e criação de bases móveis da PM e da GCM.
- Parceria com a Secretaria de Segurança Pública para ações de desmantelamento de milícias e controle do comércio ilegal.
- Criação de um programa de segurança comunitária com participação dos comerciantes, moradores e imigrantes.
- Organização do comércio ambulante:
- Regulamentação do comércio informal com cadastro de ambulantes, espaços fixos e gestão compartilhada com a Prefeitura.
- Criação de centros populares de compras para retirada dos ambulantes das calçadas e ruas.
- Limpeza urbana e coleta de lixo:
- Implantação de um sistema intensivo de limpeza pública, com coleta seletiva e campanhas de conscientização.
- Parceria com cooperativas de reciclagem para inclusão social e geração de renda.
- Integração social e cultural:
- Criação de centros culturais e de apoio ao imigrante.
- Fomento à convivência entre as comunidades com políticas de acolhimento, regularização e apoio jurídico.
O Brás e o Pari não podem continuar à margem da cidade. São Paulo deve olhar para esses bairros com o mesmo cuidado que dedica às regiões centrais. A força do seu comércio e a riqueza da sua diversidade merecem atenção, planejamento e dignidade. O crescimento só pode ser sustentável quando há organização, segurança e infraestrutura — e isso é responsabilidade do Estado.
Editorial: Mário Marcovicchio
Advogado / Jornalista / Diretor do Sindicato de Tecidos e Armarinhos do Estado de SP
Ex-Presidente do Conseg 25 de Março e Sé